É tudo para levar a sério?

De acordo com Eduardo Magalhães, Director Nacional de Comunicação Institucional, em artigo publicado no Jornal de Angola, “a recente garantia dada pelo Presidente da República, João Lourenço, ao líder da oposição, Isaías Samakuva, sobre a exumação e inumação dos restos mortais do fundador da UNITA, Jonas Savimbi, ainda este ano, representa um sinal claro de que os compromissos assumidos e reiterados pelo Titular do Poder Executivo, perante o povo angolano aquando da sua investidura, são para serem levados a sério”.

Parafraseando João Lourenço, as suas promessas são mais “conhecidas que a Coca-Cola”. Segundo ele, por exemplo, o Bié “deveria passar para a história como a cidade do perdão”.

Perdão que o regime de João Lourenço confunde com submissão. Sim. João Lourenço não chegou agora a Angola ou ao MPLA. Embora agora acuse os que estiveram dentro do galinheiro a roubar os ovos de ouro, ele esteve muitas vezes à porta a garantir a segurança dos ladrões.

Para João Lourenço, a província do Bié e a sua capital, Cuito, são a “cidade do perdão, da tolerância”, por terem sabido “perdoar, serem tolerantes ao ponto de terem contribuído bastante para que a reconciliação nacional entre os angolanos vingasse”.

Reconciliação? Essa só contaram para João Lourenço que, como ministro da Defesa, deu o exemplo de que o mais importante para o regime é a razão da força e não a força da razão.

Reconciliação pela força é como acontecia durante o colonialismo português, em que os chefes do posto apresentavam à sociedade os “voluntários devidamente amarrados”.

“Vamos repor as indústrias, não só para que voltemos a produzir os bens industriais, mas sobretudo para resolvermos um problema, que é o emprego. Aqueles que destruíram a indústria e, consequentemente, destruíram os postos de trabalho que a indústria oferecia são os mesmos que hoje vêm dizer que a juventude não tem emprego”, acusou João Lourenço durante a campanha eleitoral para um cargo para o qual já tinha sido eleito – o de Presidente da República.

“Vamos criar milhares de postos de trabalho (500 mil) para a nossa juventude”, garantiu João Lourenço. Na campanha eleitoral, importa ir recordando, João Lourenço tinha todos os dias novas supostas realizações para anunciar. Foram pediatrias, fábricas, estradas, postos de trabalho, fontenários ou até mesmo o paraíso. Valeu tudo. Reconheça-se que foi um método (ainda) eficaz porque um povo faminto (20 milhões de pobres) não escolhe… obedece.

Assim, o Estado vai investir – prometeu João Lourenço – mais de 10 milhões de euros na criação de uma empresa pública para produzir calçados e uniformes militares.

A constituição da Empresa Fabril de Calçados e Uniformes – Empresa Pública (EP) foi aprovada em reunião de Conselho de Ministros a 7 de Junho e o decreto presidencial com a sua formalização publicado em Julho.

João Lourenço sublinhou que o programa do MPLA para os próximos cinco anos “é coerente e consistente”, mas para a sua aplicação “de modo efectivo e com sucesso” são precisas instituições fortes e credíveis.

Tem razão. Para o MPLA manter a sua coerência e consistência lá continuaremos a ter Angola no topo do ranking dos países mais corruptos do mundo, tal como lidera o ranking mundial da mortalidade infantil.

“Para a efectiva implementação deste programa temos de ter os homens certos nos lugares certos”, prometeu João Lourenço, efusivamente aplaudido pelos militantes, formatados e pagos para aplaudir seja o que for que João Lourenço diga, tal como fizeram durante 38 anos com José Eduardo dos Santos. É, aliás, mais uma demonstração da coerência e consistência do MPLA.

Ainda de acordo com João Lourenço, o MPLA vai “promover e estimular a competência, a honestidade e entrega ao trabalho e desencorajar o ‘amiguismo’ e compadrio no trabalho”.

Embora saiba que Angola é um dos países mais corruptos do mundo, João Lourenço suaviza a questão dizendo que a corrupção é um fenómeno que afecta todos os países, advertindo que o problema é a “forma” como Angola encara o problema: “Não podemos é aceitar a impunidade perante a corrupção”.

“O MPLA reafirma neste programa de governação o seu compromisso na luta contra a corrupção, contra a má gestão do erário público e o tráfico de influências”, reitera João Lourenço, acrescentando que o partido conta com “os angolanos empenhados na concretização do sonho da construção de um futuro melhor para todos”.

João Lourenço admitiu (será que ainda admite?) que o “MPLA tem consciência de que muito ainda há a fazer e que nem tudo o que foi projectado foi realizado como previsto”. Por outras palavras, se ao fim de quase 43 anos de poder, 16 de paz total, o MPLA só conseguiu trabalhar para que os poucos que têm milhões passassem a ter mais milhões, esquecendo os muitos milhões que têm pouco… ou nada, talvez seja preciso manter o regime do MPLA mais 50 anos no poder.

“Contudo, o país tem rumo e estamos no caminho certo, no sentido da satisfação progressiva das aspirações e dos anseios mais profundos do povo angolano”, disse João Lourenço. Provavelmente em vez de 20 milhões de pobres Angola possa reduzir, durante este mandato do MPLA, esse número para 19.999.000…

Segundo João Lourenço, para que todos os angolanos beneficiem cada vez mais das riquezas do país, o MPLA tem como foco no seu programa de governação para os próximos cinco anos dar continuidade ao seu programa de combate à pobreza e à fome, bem como o aumento da qualidade de vida do povo.

Para a juventude, a franja da sociedade a quem o MPLA atribui “importância fundamental nos processos de transformação política e social de Angola”, João Lourenço disse que vai continuar “a contar cada vez mais com os jovens nas imensas tarefas do progresso e do desenvolvimento”.

Sobre a consolidação daquilo que não existe de facto, democracia, o general, ministro e agora Presidente destacou a realização de eleições autárquicas, a permissão para posicionar o país “num movimento de verdadeira descentralização administrativa”.

“Com a instauração das autarquias, a administração estará mais próxima das populações, o que tornará mais fácil a percepção das suas necessidades e aspirações e também a sua satisfação”, realçou. Terá João Lourenço descoberto a pólvora?

No Lubango disse: “Uma das nossas preocupações (…) será precisamente, não digo criar, mas procurar ampliar ao máximo essa classe média angolana, à custa da redução dos pobres (…) Fazer com que a classe média seja superior à soma dos pobres e dos ricos”.

João Lourenço pode dizer todas estas barbaridades aos escravos do MPLA que são, voluntariamente, obrigados a participar a aplaudir. Eles aplaudem sempre. Se lhes chamar escravos, burros ou camelos eles aplaudem na mesma. JLo não pode, contudo, é julgar que todos estamos formatados para pensarmos como pensa o “escolhido de Deus” (versão II) e os seus acólitos.

Se para esses acólitos o período de guerra civil (apesar de ter terminado em 2002) justifica tudo, para nós não. Dá jeito ao MPLA estar sempre a falar disso, misturar tudo, dizer que sem o MPLA Angola acaba. Mas não é assim. Os escravos arregimentados pelo regime pensam com a cabeça que têm mais ao pé (a do “querido líder”, agora numa nova versão), mas há cada vez mais angolanos que – desobedecendo às “ordens superiores” – pensam com a sua própria cabeça. E esses, embora dando o benefício da dúvida a João Lourenço, estão fartos.

E esses sabem que Angola é um dos países mais corruptos do mundo. Sabem que é um dos países com piores práticas políticas e de direitos humanos. Sabem que é um país com enormes assimetrias sociais. Sabem que é um país com o maior índice de mortalidade infantil do mundo. Mas também sabem que Angola não é um país eternamente condenado a isso.

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